Como introdução, falaremos da…
Importância dos audiovisuais no mundo moderno
Na pesquisa para esta breve apresentação sobre o tema da legendagem, torna-se inegável, pela lata informação e literatura disponíveis – físicas e virtuais –, que o tema é extremamente actual e de grande importância.
Antes de mais é importante recordar alguns factos:
A indústria audiovisual é a 2a maior indústria no mundo a seguir à militar; segundo Mark Hoda, Representante das Campanhas Europeias da Organização inglesa para deficientes auditivos, “a televisão é vital na definição do cenário cultural das sociedades modernas, das quais os cidadãos dependem. Estudos revelam que no Reino Unido, por exemplo, as pessoas passam uma média de 3 horas e 38 minutos por dia a ver televisão e na faixa etária dos 55 aos 64 anos esta média aumenta para 4 horas e 21 minutos.
Nas palavras da Comissária Viviane Reding, na conferência European Voice sobre o tema “Televisão sem Fronteiras”, a teledifusão nas nossas sociedades tem o importante papel de difundir informação, diálogo democrático e valores culturais e sociais.
Esta não é, portanto, uma indústria de somenos importância.
E sendo um facto a interligação directa entre os audiovisuais e a cultura, detenhamo-nos um pouco no tema da cultura…
Cultura
Falar de cultura implica relembrar o conceito de cultura de Confúncio. Dizia ele, em 400 a.C: “A natureza dos homens não varia, os seus hábitos é que os mantêm separados.”
Daqui se infere a importância da nossa matriz cultural na estruturação da sociedade e também como origem da heterogeneidade a nível global.
Como já foi dito “O Homem rege-se por conjuntos de valores, padrões de comportamento, e normas de procedimentos, peculiares e específicos a dado contexto, e que, por isso mesmo, vão caracterizar populações e mantê-las unidas em seus traços comuns.”
Quanto a cultura num sentido mais intelectualizado, a “cultura geral”, esta pode ser entendida latu sensu como o conhecimento que temos da nossa e de outras realidades, contemporâneas ou passadas, do mundo em geral e dos “mundos” em particular que cada área do Conhecimento representa.
Assim, fica claro que, numa era dominada pelos media, os audiovisuais se assumem como uma inegável fonte de Cultura e Conhecimento, além, claro, de informação, lazer, e entretenimento.
Globalização, audiovisuais e cultura são de facto indissociáveis. O que dantes vivíamos de um modo físico, ou por via da leitura, hoje chega-nos, em grande parte, por via de som e imagem digitalizados.
Os audiovisuais permitem-nos desfrutar de uma vasta gama de contextos e ajudam-nos a expandir os horizontes neste nosso mundo globalizado, sendo a globalização, sem dúvida, a grande influência civilizadora dos tempos modernos. Ela não só une a Humanidade, como a ajuda a crescer culturalmente.
E na vertente intelectual de cultura, que muito directamente influencia e é influenciada pela legendagem, impõe- se falar brevemente da importância da leitura e dissecar um pouco este conceito e o de linguística…
Leitura e linguística
Segundo Werther Damien Sevahc, “A leitura é mais do que um acto perceptivo, é um acto cognitivo, um processo de descodificação mental e não meramente visual. É através da compreensão que se operacionalizam as competências envolvidas no acto de ler, e sem as quais não será possível a automatização da correspondência letra/som.
A iliteracia está associada à incapacidade de aplicar os conhecimentos escolares ao mercado de trabalho, logo será geradora de desemprego e de desigualdade social; daí a importância de fomentar uma aprendizagem sólida da leitura e da escrita; a leitura traz enriquecimento cultural, intelectual e dota as pessoas de mecanismos de funcionalidade na sociedade, a nível instrumental e argumentativo.”
Dada a importância da leitura para a linguagem e de ambas para a formação individual e colectiva do Homem e da sua capacidade de comunicar, criou-se a Linguística, o estudo científico da linguagem humana. Sobre a linguística, Russ Rymer disse, ironicamente: “A linguística é a parte do conhecimento mais fortemente debatida no mundo académico. Está encharcada com o sangue de poetas, teólogos, filósofos, filólogos, psicólogos, biólogos e neurologistas, além de também ter um pouco de sangue proveniente de gramáticos.”
Bertrand Russell, no início do século passado, dizia “considerar que as frases têm existência própria, independente do sujeito e da experiência”.
Há vários ramos da linguística que afectam grandemente e são afectados por essa importante “sub-linguagem”, chamemos-lhe assim, da legendagem dos audiovisuais:
Error! Filename not specified.A sintaxe, o ramo da linguística que estuda os processos generativos ou combinatórios das frases das línguas naturais, tendo em vista especificar a sua estrutura interna e o seu funcionamento.
Podemos aqui relembrar que os primeiros passos da tradição europeia no estudo da sintaxe foram dados já pelos antigos gregos, começando com Aristóteles, o primeiro a dividir a frase em sujeitos e predicados.
Error! Filename not specified.Quanto à semântica (do grego semantikos, derivado de sema, sinal), que também afecta e, no fundo, vai sendo afectada pela leitura das legendas, sabemos que se refere ao estudo do significado, mas em todos os sentidos do termo. A semântica opõe-se com frequência à sintaxe, pois a primeira trata do que algo significa, enquanto a segunda se debruça sobre as estruturas ou padrões formais do modo como esse algo é expresso (por exemplo, a forma de expressão escrita e falada).
E finalmente, há figuras e noções gramaticais, fundamentais à boa expressão e ao bom discurso escrito e verbal, pelas quais a legendagem, se rege e as quais, subconscientemente, aperfeiçoa, como a frase, a oração e o período:
Brevemente, a oração, a mais omnipresente nesta matéria, como se sabe, é todo um enunciado linguístico, algo que se diz ou escreve, provido de sentido pleno, completo e encerrando-se com uma pontuação definida.
A oração estrutura-se em redor de um verbo, apresentando na maioria das vezes sujeito e predicado. Isto tudo parece básico, mas é muitas vezes esquecido por profissionais dos vários ramos das Letras e quase invariavelmente respeitado pelos profissionais de tradução para audiovisuais e sempre presente nos seus trabalhos.
De novo surge aqui esta palavra, subjacente a toda esta apresentação: “Audiovisuais”… Audiovisuais” é hoje em dia um conceito muito genérico e abrangente, mas argumentaríamos que em Portugal começa a fazer sentido com o surgimento das emissões de rádio e assume grande aceitação, difusão e fascínio com o Cinema e (muito mais tarde) com a Televisão.
Afloremos então o tema do Cinema…
É que, como compreendem, não faria sentido falar da tradução para audiovisuais, sem darmos especial relevância ao Cinema, a chamada 7a arte, hoje já não só na grande tela, mas passado, como referido, para a televisão e outros meios; sob as suas diversas formas, o Cinema assume uma importância fundamental na cultura global do nosso mundo.
O Cinema tem grande impacto na sociedade moderna e lata aceitação popular; é ainda uma forma de arte riquíssima, em nada devedora a outras formas de arte consideradas “mais nobres”; é multidimensional, e sendo uma síntese de arte (progressista ou reaccionária), de cultura (original e de lugares-comuns), de indústria (tecnológica e económica), de negócio (gerador de lucros e prejuízos)
Assim, pode e deve ser uma janela para outras dimensões culturais, em termos populares e intelectuais
Marshall McLuhan afirma na sua obra “Understanding Media”, de 1964, que “o Cinema oferece um produto que é dos bens de consumo mais mágicos do mundo, os sonhos… O mundo apresenta-se, ávido, em longas filas, para comprar sonhos enlatados”.
Neste mundo cada vez mais interligado, os filmes oferecem um sentido à vida e cultura das pessoas. As pessoas identificam-se, frequentemente, com certos filmes porque se revêem na cultura que os criou, ou porque dela gostariam de fazer parte.
Os filmes tornam-se num meio de comunicação que fomenta a distribuição e aceitação de certos valores e práticas culturais.
O Cinema, sob todas as suas formas, proporciona uma noção de comunidade entre os povos – até porque, muitas vezes, como alguém já escreveu, “exorciza tensões derivadas do seu legado colonial”.
Ora, a televisão – por cabo e não só – traz hoje o Cinema a nossas casas. Aliás, a televisão traz-nos, ainda, notícias instantâneas dos quatro cantos do mundo; poucos portugueses desconhecerão os factos da invasão do Iraque, do bombardeamento das torres gémeas em Nova Iorque, do avassalador tsunami ou do atroz furacão Katrina, conhecimento que de outro modo não obteria tão celeremente.
Mas não só as fatalidades contribuem para o nosso melhor conhecimento do mundo em que vivemos; os filmes, documentários, séries televisivas, reconstituições histórias, entre outros, alargam-nos os horizontes e dão-nos a conhecer cultura, hábitos e modos de gentes longínquas.
Assim, também não há quem, mesmo sem nunca ter saído de Portugal, não reconheça a capital de França, com o seu belo rio Sena, as savanas africanas, com sua fauna e flora exóticas, a apinhada cidade de Tóquio, entre outras…
E ao trazerem a nós outras culturas e povos, os mesmos meios também nos dão a conhecer as características e peculiaridades de sociedades com forte influência no mundo em geral, e na nossa própria sociedade, em particular.
Só para citar dois exemplos de todos conhecidos, o Halloween, ou a chamada Noite das Bruxas e o St Valentine’s Day, ou Dia dos Namorados, são datas importadas directamente da cultura anglo-saxónica, juntamente com toda a indústria e comercialização de produtos com elas relacionados.
E antes de se implementarem entre nós, já todos sabíamos da sua existência através dos filmes… Tal como conhecíamos a McDonald’s, a Pizza Hut, a Kentucky Fried Chicken, e ainda os donuts, os muffins, etc.
Em “The Cultural Flow of Food in Cinema”, por exemplo, Iommazzo explora o papel da comida no cinema global contemporâneo, como um elemento mágico de prazer e conhecimento e como um poderoso catalizador da união das pessoas e do redespertar de paixões.
O acto de ver um filme, tal como o de comer, podem gerar prazer e compreensão.
E tudo isto nos traz ao fulcro desta apresentação: a legendagem para audiovisuais. Falemos, então, um pouco sobre o conceito de legendagem e as suas virtudes….
Legendagem
É sabido que Portugal, embora com grandes progressos nessa matéria, não é o produtor por excelência da maior parte do material audiovisual consumido no nosso país – e na Europa em geral, aliás – o qual provém de vários países estrangeiros, com enorme predominância dos anglo-saxónicos, como fica claro ao longo desta apresentação.
Assim sendo, a legendagem, permitindo ouvir o original e ler a respectiva tradução, torna-se essencial para um pleno desfrutar de todo esse material riquíssimo a diversos níveis.
A legendagem, como tradução escrita da língua de partida de uma obra audiovisual para a língua de chegada de dado público-alvo, representa a possibilidade simultânea de acesso a duas formas de linguagem, uma falada e outra escrita. Certos autores argumentam mesmo algo, a que já aludi, que a legendagem se transformou quase numa terceira linguagem, muito específica, criada primeiro para o Cinema e continuada pela televisão, vídeo, DVD e jogos de computador.
Esta linguagem combina duas formas milenares de comunicação interlinguística, ou seja a “interpretação”, envolvendo apenas a oralidade, e a “tradução”, representada apenas pela escrita.
Em conjunto com a dobragem, de que não trataremos aqui, a legendagem é a forma principal de “transferência linguística” na televisão, assumindo-se crescentemente como um meio de comunicação global, num mundo fragmentado por cerca de 5.000 línguas.
Comparados com a América do Norte, os países da União Europeia, por exemplo, têm uma maior população, mais espectadores e mais produção própria. No entanto, a fragmentação linguística minou o seu desempenho a nível global e a sua capacidade de competir com a poderosa indústria audiovisual, monolingue, dos Estados Unidos.
E não podendo evitar tocar de novo no tema do Cinema, não podemos negar factos que diferenciam a produção norte-americana da europeia: Os dez filmes mais vendidos no mundo inteiro provêm todos dos grandes estúdios americanos. Os filmes de Hollywood são, na realidade, os que têm os orçamentos mais altos do mundo, as histórias mais pungentes, mesmo quando de profundidade discutível, e os guiões com temas mais universais; têm também os actores e realizadores mais conhecidos, com fortes competências profissionais e técnicas inegavelmente comprovadas. A máquina do Cinema Americano tem ainda um músculo financeiro que lhe permite uma difusão à escala global, completamente impar.
Acresce ainda ao fenómeno da difusão do Cinema Americano o facto de muitos países preferirem importar programas do mercado audiovisual anglófono, por ser mais económico efectuar a transferência linguística de uma só língua de partida.
Recentrando-nos de novo na legendagem (não podemos fazer fronteiras estanques entre todos estes temas, de tão interligados que estão) há que recordar que em 1990, tendo em vista o mercado único, o Conselho das Comunidades Europeias tomou medidas para superar a “barreira linguística”, promovendo, entre outras, a dobragem, a legendagem e a teledifusão multilingue; então a língua inglesa emergiu como a mais lata língua de partida do mundo.
Segundo Luyken, a Europa divide-se em países de legendagem – como por ex., a Bélgica, Chipre, Finlândia, Grécia, Países Baixos, Portugal e Escandinávia – e os outros, os países da dobragem, como a França, a Alemanha e a Espanha, entre outros. A dobragem é mais cara, complexa e morosa e, proporíamos, trai mais a obra original.
A legendagem faz mais do que facilitar a compreensão por parte do espectador de uma língua desconhecida. Não é demais frisar: a Comissão Europeia recomendou-a especificamente como um meio de melhorar o conhecimento das diferentes línguas estrangeiras dentro da União Europeia. Com os rápidos desenvolvimentos tecnológicos, há já televisões por satélite que oferecem legendagem multilingue por via do teletexto. Para se ter uma noção do impacto e dimensão da legendagem, é interessante saber que já em 1994 a procura de legendagens era tal que uma empresa sediada em Estocolmo, com filiais em 6 capitais, produziu 26.000 horas de legendagem para cinema, vídeo e televisão, num ano apenas.
Ainda segundo Mark Hoda, “a legendagem, permite uma melhor compreensão dos programas por parte de pessoas com dificuldades de aprendizagem que não são fluentes na língua original do programa que estão a ver”; “e”, acrescenta “beneficia também cerca de 81.500 pessoas com deficiências auditivas na UE; é também muito útil aos imigrantes pelas mesmas razões.”
Colateralmente, constitui uma forma de garantir que pessoas em ambientes muito ruidosos possam seguir os programas televisivos.
E por fim, mas não menos importante, a legendagem é muito útil para as crianças que começam a ler e a escrever; um estudo americano demonstrou que a desenvolvida capacidade de leitura e literacia das crianças de 9 anos na Finlândia, Suécia e Noruega, países com elevadas taxas de programas estrangeiros legendados, está intimamente ligada a um número razoavelmente elevado de horas de visionamento televisivo.”
Sendo este um fenómeno cultural e linguístico tão omnipresente, não será despiciente debruçarmo-nos um pouco sobre o processo propriamente dito, a indústria e seus profissionais.
Citando livremente Leonardo Teixeira, brasileiro e Doutorado em Letras, para se entender o processo de tradução para legendagem há que ter em mente que o tempo necessário para a leitura de uma legenda é muito superior ao usado para a fala que corresponde àquele texto.
Assim, na maioria das vezes, é impossível traduzir na íntegra o que é dito, devendo-se realizar adaptações ou sínteses, que, para os conhecedores do idioma original, podem parecer verdadeiros assassínios da mensagem.
A própria natureza do texto legendado exige adaptação. Diferentemente de outros formatos de texto escrito, não se pode retroceder na leitura para uma tentativa de melhor entender o que foi dito. Trabalha-se com um tipo de texto que requer compreensão imediata, sob pena de o espectador não captar a comunicação entre as personagens.
A boa legenda constitui uma forma de leitura que não desvie a atenção do espectador do filme, senão este passará a maior parte do tempo tentando descodificar uma intenção, desprovido do prazer de assistir a um produto feito para entretenimento.
Neste caso, como alguém disse, e muito bem, o espectador “lê” um filme não conseguindo de facto VÊ-LO.
Isso não significa que se deva alterar o que é dito para tornar a mensagem mais simples. Bem pelo contrário, deve procurar-se aliar precisão da informação e adequação de texto ao tempo de leitura, não descurar a boa apresentação gráfica da legenda e manter um estilo coerente com a fala original.
O processo de tradução para legendagem traz ainda outras particularidades. Ao traduzir-se um livro, por
exemplo, trabalha-se com um texto-base escrito que se vai transformar noutro texto escrito, podendo haver as elucidativas “notas do tradutor”.
No caso da legenda, o material-base é, normalmente, falado, caracterizado por elipses, hesitações e traços emotivos e gestuais, sempre presentes, configurando intenções paralelas ao que é dito.
Este tipo de leitura exige diferentes requisitos de literacia, muitas vezes adquiridos durante o próprio processo do visionamento.
Na sua obra sobre legendagem, Mary Carroll, Directora Geral da “Titelbild Subtitling and Translation”, especifica
alguns aspectos técnicos da legendagem, que serão aqui aflorados livremente em conjugação com excertos de uma obra minha sobre o assunto. Creio que talvez assim, o público em geral possa entender um pouco a complexidade desta arte:
O bom tradutor/legendador tem de ter uma extrema atenção ao tempo de exposição das legendas, pois se o mesmo for excessivo satura o espectador e se for escasso enerva-o e impede-o de ler correctamente a mensagem, como já dissemos. Cada legenda de uma a duas linhas deve durar idealmente de dois a cinco segundos.
As legendas devem respeitar com precisão o ritmo e pausas do discurso verbal, “entrando”, como dizemos na gíria, exactamente quando as respectivas falas começam e “saindo” no fim da fala, ou um pouco depois, para dar tempo de leitura.
A boa tradução para legendagem deve também ter em conta a correcta divisão das legendas em orações gramaticais, em “blocos unos de sentido”, e não descurar a estética da língua escrita; aqui cada frase, cada palavra, cada caracter mesmo, assume um valor plástico, porque se vai integrar numa imagem; isto implica evitar redundâncias, aliterações indesejadas, rimas não intencionais, pontuação excessiva… enfim, considerar todos os aspectos “plásticos” desses símbolos que na cultura ocidental não são tão pictóricos como os ideogramas orientais, mas que não deixam de ser, no fundo, uma espécie de desenhos a que chamamos “letras e pontuação.”
Ainda segundo Leonardo Teixeira, em material de ficção e séries, há que recordar que cada personagem tem um modo peculiar de falar, com competência linguística diferente e universo lexical apropriado à sua caracterização. O bom tradutor jamais deve esquecer esses traços, e deverá, para evitar a “pasteurização” de todas as falas, marcar estilisticamente no seu texto essa diversidade. Nesse sentido, a tradução para legendas em muito se aproxima da tradução literária.
Devido a isto o tradutor/legendador condensa frequentemente o diálogo ou narração original. Pode acontecer a alteração do sentido, porque o texto escrito é falho em termos dos cambiantes da linguagem verbal, o que é mais uma preocupação.
Por último, este profissional não pode perder de vista o carácter educativo que o seu texto apresenta.
Reconhecendo que a única leitura diária de muitas pessoas é o texto que se lhes oferece via legendas, não se podem usar estruturas linguísticas problemáticas.
Deve encontrar-se, sempre, um equilíbrio entre o coloquialismo, por vezes exigido pelo material a ser traduzido, e a competência discursiva do texto – tarefa a que os teóricos da legendagem exaustivamente se dedicam e que vem garantindo melhor produto final aos espectadores, merecedores da qualidade buscada em todo o processo.
O processo da legendagem era inicialmente feito por meios quase artesanais e depois em máquinas complicadas e dispendiosas
Após vários desenvolvimentos tecnológicos, em meados dos anos 80, o time-code – código de tempo visual e/ou auditivo – e os computadores pessoais revolucionaram a preparação de legendagens interlingues em toda
a Europa. As mudanças foram impelidas pelas práticas de legendagem nos chamados “países de legendagem” da Escandinávia.
Os postos de legendagem passaram a ter apenas um PC com software próprio dedicado e um vídeo normal.
O material de trabalho (que hoje em dia cada vez tende mais a ser um ficheiro electrónico, do tipo MPEG, AVI, ou outro) era uma VHS e, na maioria dos casos, o guião na língua original.
Foi com esta simplificação de material e de métodos que nasceu uma nova profissão, a de legendador.
Os tradutores/legendadores na Europa Central são quase sempre licenciados em tradução ou em Línguas, com posterior formação específica em legendagem e em tradução aplicada a audiovisuais.
Após ter traduzido o filme, com uma dada apresentação e respeitando certos parâmetros específicos, num programa normal de texto, o tradutor terá de efectuar o processo da legendagem em máquina própria, uma simulação que conferirá às legendas que preparou os tempos de entrada e saída. Produz-se assim um ficheiro final já preparado para o suporte que o vai receber, mais comummente uma Betacam legendada, uma bobina de cinema impressa a laser, ou um DVD.
Leonardo Teixeira, já mencionado, escreveu algo que se pode bem aplicar a Portugal: “Muitas críticas se fazem às traduções para legendagem e, por conseguinte, ao profissional dedicado a esse ramo, mas sem dúvida que, mais do que nunca, com o advento da TV a cabo e do DVD – que traz legendas em vários idiomas, diferentemente das fitas VHS –, o mercado de tradução para legendagem necessita cada vez mais de profissionais qualificados.”
Mas o público tem de saber a realidade. Como já se percebeu, o trabalho é exigente e difícil, e os prazos e são impensáveis e as guerras de preços caninas.
Como diz, e muito bem, o site da AIIC, na Internet, “os tradutores necessitam de conhecer profundamente as línguas com as quais trabalham, principalmente a sua própria. Conhecer a cultura dos países onde essas línguas são faladas é também indispensável, nomeadamente no que se refere à sua actualidade política, económica e social. É-lhes exigido, ainda, o respeito pelo sentido, estilo e espírito do que traduzem ou interpretam.
Mas a realidade é diferente, pelo que se acrescenta “… no nosso país, o acesso às actividades de tradução não está por enquanto regulamentado, pelo que nada impede que pessoas sem a qualificação apropriada exerçam estas actividades.”
Há assim, também nesta área da tradução, excesso de oferta de parca qualidade, do qual a indústria se aproveita largamente.
Salvo raríssimas excepções, em Portugal, por exemplo, os preços são de tal modo baixos que um tradutor de audiovisuais raramente ganhará mais do que uma empregada doméstica. Acresce ainda a agravante de na maior parte das editoras e produtoras – felizmente, com umas poucas excepções altamente louváveis – o pagamento às empresas de legendagem e aos tradutores não ter qualquer carácter de prioridade. O pagamento pré-estipulado é de 3 meses após a entrega do trabalho, mas não raro esse prazo estende-se, vergonhosa e inconscientemente, a cinco, seis meses e mais.
Os planos de pagamento apresentados quando os trabalhos são necessários, ignoram-se displicentemente depois.
Assim, acabam por só se dedicar continuadamente a este mister as empresas – todas necessariamente masoquistas – que vivem uma missão de paixão e os tradutores que têm, além das vertentes mencionadas e muitas outras, a verdadeira entrega e abnegação de que todas as artes necessitam.
Pelo exposto, propomos que esta forma de arte, por ter tais implicações e dimensão cultural e linguística deve
merecer a atenção especial das instâncias culturais, que deveriam premiar e mesmo subsidiar a qualidade e penalizar a falta dela, a qual grassa vergonhosamente.
Além disso, condições especiais deveriam ser dadas às empresas que se destacassem pelo seu contributo positivo, conferindo-lhes, quiçá, um estatuto de “organizações culturais de utilidade pública”, de modo a poderem sobreviver e continuar o seu importante papel.